segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O país da ‘burrocracia’


 


Gustavo da Rocha Schmidt

No Brasil é assim: é melhor que o governo não faça obras do que abrir a torneira para a bandalheira. Fazer obra pública é sinônimo de corrupção. Gastar verba do Tesouro é sinônimo de desvio. Então, é melhor não fazer nada. E as manchetes diárias, estampadas nos principais jornais do país, alimentam este sentimento.

Pior é que, fruto da percepção generalizada da população, sempre há de plantão um político demagogo e oportunista para propor uma nova lei moralizadora. A fórmula proposta é conhecida: amarrar a atividade estatal e, com isso, evitar o superfaturamento, o favorecimento pessoal, os desvios de recursos públicos, a famigerada corrupção. É muita “burrocracia”, que só serve para aumentar o Custo Brasil e em nada contribui para a redução dos crimes praticados contra a administração pública.


"O controle deve ser de resultados e a posteriori, focado sobretudo na qualidade do serviço prestado. Também não é vale-tudo. Alguma burocracia é necessária, mas deve ficar limitada ao mínimo necessário para que o procedimento seja racional e igualitário. Chega de burrocracia. É fundamental simplificar a atividade administrativa e reduzir o Custo Brasil. Já passou o tempo da administração burocrática. A administração pública do século XXI é uma administração de resultados".



A Lei de Licitações, de 1993, é um exemplo disso. Engessa as contratações com o Poder Público, na tentativa de impedir desvios. O final da história todos conhecem: mais corrupção e menos eficiência; mais desvios e menos qualidade nos serviços. E, ao que parece, ninguém atentou para o fato de que a “burrocracia” só serve aos interesses daqueles que querem criar dificuldade para vender facilidade. É instrumento que, na prática, fomenta a corrupção, em vez de combatê-la, abrindo brechas para os mal-intencionados.

A novidade é a lei nº 13.019/2014, Lei de Parcerias Voluntárias. A tônica é a mesma: ninguém aguenta mais escândalos nas áreas de assistência social, de educação, de saúde e de cultura. É uma manchete atrás da outra, dando notícia de ONGs que se apropriaram de dinheiro público e o destinaram a finalidades não muito públicas. E surge mais e mais burrocracia. É plano de trabalho detalhado, chamamento público, indicação da fonte orçamentária, processo seletivo, prova da capacidade técnica, prova de que a ONG possui cinco anos de CNPJ e, ainda, de que possui três anos de experiência, prova da regularidade jurídica da entidade, prova de que está em dia com suas obrigações fiscais e tantas outras exigências.

O erro aqui é de premissa. Não adianta dificultar a celebração de contratos ou de convênios. E nem adianta tentar impedir os agentes públicos de fazer obras ou de prestar os serviços que têm de prestar.

O controle deve ser de resultados e a posteriori, focado sobretudo na qualidade do serviço prestado. Também não é vale-tudo. Alguma burocracia é necessária, mas deve ficar limitada ao mínimo necessário para que o procedimento seja racional e igualitário. Chega de burrocracia. É fundamental simplificar a atividade administrativa e reduzir o Custo Brasil. Já passou o tempo da administração burocrática. A administração pública do século XXI é uma administração de resultados. O combate à corrupção, por sua vez, pressupõe a punição efetiva de quem pratica tais crimes. As penas têm que ser mais severas. E quem, eventualmente, enriquecer ilicitamente deve ser rigorosamente apenado. Punam-se os corruptos, de verdade. É a melhor forma de desestimular a corrupção.

Gustavo da Rocha Schmidt é professor da FGV Direito Rio

Fonte: O Globo





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