terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

A responsabilidade das grandes obras de conter seus impactos sobre as florestas







Por Fernanda Macedo

A ocupação humana da Amazônia e o desmatamento da floresta são fenômenos que andam juntos há décadas, sempre impulsionados por grandes obras de infraestrutura. Estima-se que entre 1978 e 1994, 75% do desmatamento da região teria ocorrido próximo às rodovias pavimentadas, de acordo com o estudo Avança Brasil: Os Custos Ambientais para a Amazônia. Esses empreendimentos podem não se reverter necessariamente em progresso social para as localidades que os recebem, como seria esperado. Na verdade, a transformação desses locais geralmente começa com um rápido período de aumento de emprego e renda seguido por um colapso de seus indicadores de desenvolvimento humano e esgotamento dos recursos da floresta, segundo outro estudo, chamado O Avanço da Fronteira na Amazônia: Do boom ao colapso.

Nos últimos anos, o desmatamento da Região Amazônica havia sido desacelerado e desde 2013 voltou a subir. Cabe aos grandes empreendimentos a responsabilidade de não contribuírem para a retomada da devastação florestal. Para isso, uma estratégia de ordenamento territorial deve ser um elemento-chave, planejando a migração e determinando a destinação de áreas produtivas, de conservação e de manejo.

Em 2011, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) avaliou, em uma publicação, os riscos de desmatamento associados à implantação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte na região de Altamira, estado do Pará. A área destinada aos reservatórios responde pela maior parte do desmatamento diretamente provocado pela UHE. A construção da infraestrutura do projeto – como estradas, canteiro de obras, acampamentos, área para estoques de solo etc. – também é significativa para a devastação na região.

O aumento da atividade econômica em torno da região de instalação da UHE pode provocar também o chamado desmatamento indireto, causado pelo aumento das taxas de migração local, ocasionando a ocupação desordenada do solo e uma maior pressão sobre recursos florestais, como caça e pesca, ou ainda pela especulação imobiliária de terras na região. O desmatamento indireto tem ainda maior impacto sobre as terras indígenas, pois são territórios com altos índices de conservação e visados por exploradores de madeira ilegal, segundo o Mapa dos Caminhos – Proteção Territorial Indígena.

No resumo dos debates da iniciativa Grandes Obras na Amazônia – Aprendizados e Diretrizes, desenvolvida pelo GVces em conjunto com a International Finance Corporation (IFC), o centro de estudos alerta para os riscos desse processo de desmatamento indireto. “Como resultado, onde antes não havia tendência ao desmatamento, acaba-se provocando destruição da floresta e onde, por exemplo, a terra era relativamente barata, esta se torna cara para o povo local e atrai a ação de grileiros. Sem ordenamento territorial, os remanejamentos que se façam necessários para a população atingida também tendem a criar novas frentes de desmatamento, geram sofrimento em razão da insegurança jurídica para as famílias e representam riscos para o planejamento do próprio empreendimento”, conclui a publicação.

Criar um novo desfecho para esses empreendimentos é um desafio que envolve ainda lidar com a resistência por parte de atores sociais que se beneficiam da grilagem e da exploração ilegal de recursos naturais e que são economicamente fortalecidos e politicamente organizados.

As chamadas fragilidades institucionais [veja mais aqui] são mais um ponto crítico nesse processo. Os órgãos envolvidos no planejamento territorial, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e as secretarias municipais de Meio Ambiente, sofrem frequentemente devido à falta de recursos humanos, financeiros, tecnológicos e a uma possível baixa capacidade técnica e política, ao ter dificuldade em se relacionar e influenciar outras instâncias de decisão.

O estudo do Imazon estima, em cenário mais crítico, um desmatamento decorrente da UHE Belo Monte de até 5 mil quilômetros quadrados. Para compensar tal impacto, a instituição propõe um conjunto de Unidades de Conservação para combater o desmatamento direto e indireto na região, uma estratégia de política pública já consagrada. Essa proposta conseguiria recuperar 79% da devastação provocada pelo empreendimento.

Impactos além da dimensão física

Os impactos das grandes obras costumam ser muito mais devastadores que suas dimensões físicas e se perpetuam pelo tempo, após o término do empreendimento. Muitas famílias em processo de negociação com o empreendedor da UHE Belo Monte tiveram sua propriedade de terra não reconhecida e, neste vídeo, moradores que não são considerados oficialmente atingidos – pois residem em um local um pouco mais afastado da barragem – falam de possíveis impactos que sofrerão com a implantação da usina.

Por isso, os planos de ordenamento territorial devem ser realizados de maneira participativa, com reconhecimento das expectativas e prioridades locais, e em integração com planos de desenvolvimento do País. As recomendações preliminares da iniciativa Grandes Obras na Amazônia apontam que algumas etapas devem ser observadas no processo de ordenamento territorial, como a caracterização do território dentro de seu contexto histórico, o trabalho conjunto com os atores econômicos da região, a construção de alianças para fortalecer os grupos mais enfraquecidos e, por fim, a definição de ações estratégicas engajando e fortalecendo as instituições locais.

Ordenar o território é uma missão complexa no século XXI. É preciso envolver todas as áreas de influência do empreendimento, para além do desmatamento direto, ações de apoio à fiscalização, regularização fundiária aliada à conservação de áreas naturais, alternativas econômicas para as populações locais, entre outras medidas. Se quisermos, finalmente, dissociar a fronteira do desmatamento das grandes obras de infraestrutura e transformar esses empreendimentos em oportunidade de desenvolvimento sustentável local, será preciso compreender o conceito de planejamento territorial.

Fonte: Página 22 










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