quinta-feira, 28 de abril de 2011

Especialista comenta cenário brasileiro de captação de recursos para ONGs

Rodrigo Alvarez
Segundo um estudo da consultoria McKinsey, o Brasil tem potencial para duplicar o volume de doações e mobilizar mais de R$ 15,8 bilhões anuais para financiar entidades beneficentes e projetos sociais. Mas, apesar de bater recorde de arrecadação, o país mal consegue canalizar R$ 7,9 bilhões (0,3% do PIB) para a filantropia, atrás da média mundial de 0,8% do PIB e da latino-americana, de 0,4%.

O resultado desse déficit de investimentos é que muitas organizações do terceiro setor encontram-se carentes de recursos para aplicar e expandir seus projetos; e poucas são as que conseguem fontes para desenvolver projetos relacionados a saúde, educação, cultura e assistência social, por exemplo.

Alguns especialistas defendem a criação de um novo marco regulatório para o terceiro setor, como chegou a ser discutido na época da eleição da presidente Dilma Rousseff. Mas além disso, como afirma o representante da Resource Alliance no Brasil, Rodrigo Alvarez, é possível que as próprias organizações captem fundos e desenvolvam seus projetos, seguindo planejamentos.

A organização para qual Alvarez trabalha é especializada na captação de recursos para ONGs e realiza programas em países da África, Europa, Ásia e América Latina. No Brasil, a Resource Alliance possui uma parceria com o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e promoveu cursos no Festival Brasileiro de Captação de Recursos.

O portal EcoD conversou com Alvarez sobre a situação brasileira na área de investimentos e como é possível melhorar essa panorama nacional. Confira abaixo.

Portal EcoDesenvolvimento.org - Por que o Brasil está tão aquém da média mundial de investimentos em ações do terceiro setor?

Rodrigo Alvarez - Muitos falam de uma legislação mais favorável para as doações de indivíduos e empresas. Concordo em partes com isso. Realmente acho que os mecanismos de isenção fiscal poderiam ser mais fáceis e menos burocráticos para o investimento social no Brasil, mas não acho que este seja o principal motivo, já que mesmo a legislação existente favorável é pouco utilizada hoje. Por exemplo, pouca gente sabe que um indivíduo pode se beneficiar de isenção fiscal se doar para projetos aprovados na Lei Rouanet ou no Fundo da Criança e do Adolescente de sua cidade.


O ponto que mais se fala é sobre a falta de uma cultura de investimento social/doações no Brasil. Concordo com essa afirmativa também em partes. O que percebemos é que na verdade o brasileiro responde bem quando é solicitado a doar, como pudemos observar nas recentes tragédias de Santa Catarina e Rio de Janeiro. O que acontece, a meu ver, é que faltam pedidos e apelos de investimento mais convincentes e bem estruturados do lado de quem solicita recursos. As ONGs se ressentem da falta de recursos para implementar seus projetos, mas ainda precisam avançar muito em profissionalizar sua captação de recursos. Isto significa estruturar bem seu pedido, de maneira convincente e comprovando sua capacidade de implementação de projetos. Também significa dar mais transparência e prestar contas dos recursos investidos, fazendo com que o investidor sinta-se envolvido pelo resultado.

Essa falta de segurança em investir recursos em projetos sociais via ONGs está fazendo com que, em muitos casos, o investidor social brasileiro dê prioridade a desenvolver seus próprios projetos. Os associados do GIFE, por exemplo, investem somente 19% de todo volume de recursos para projetos sociais ou ambientais via ONGs. O restante é investido em projetos próprios. A meu ver, isto enfraquece a Sociedade Civil e não considera os investimentos já feitos no desenvolvimento de metodologias e integração com as populações que serão foco da ação, um capital social construído pelas ONGs nos últimos 30 anos.

Há mercado de voluntariados e doadores aqui no Brasil?

Certamente. Encontro muita gente dizendo que queria fazer alguma coisa, mas não sabe por onde começar. Os Centros de Voluntariado tem uma ação muito grande em algumas cidades do Brasil. E temos uma classe média crescente. Nos países onde a economia cresce e o país se desenvolve, a filantropia também tende a crescer.

Quais os projetos para arrecadação realizados nos outros países latino-americanos que servem de exemplo para que isso seja aplicado no Brasil?

Os melhores exemplos latinos que eu conheço são de ONGs internacionais, que também são fortes em captação de recursos no Brasil. O Greenpeace Argentina é um modelo internacional de mobilização de doadores individuais via Internet, por exemplo. Tem algumas ONGs locais na América Latina que se destacam pelo tamanho e importância que assumiram em seus países, como “Um teto para meu país”, que é a maior ONG do Chile. Ouvi dizer que por lá eles são mais conhecidos que o UNICEF, por exemplo.

Vocês, da Resource Alliance, capacitam ONGs a criarem ações para receberem esses recursos. As ONGs brasileiras têm investido nesse tipo de conhecimento? Há procura pelos projetos da Resource Alliance?

Sim, desenvolvemos cursos e projetos de consultoria personalizados para necessidades específicas de cada ONG. As ONGs normalmente não têm recursos disponíveis para investir nesse tipo de serviço, mas isto é uma questão de tempo e definição de prioridades.

Como é o trabalho realizado pela Resource Alliance? Quais são os países atendidos pelo projeto? O retorno é imediato?

A Resource Alliance apoia ONGs do mundo inteiro a estruturarem sua sustentabilidade financeira. Temos escritórios na Inglaterra, Índia, Uganda e Brasil, mas atuamos fortemente também no Leste Europeu e nos países do Sul da Ásia. Os serviços prestados pela Resource Alliance nesses países são:

•Conferências Internacionais e Regionais
•Cursos em Mobilização de Recursos e Comunicação, que vão desde treinamentos curtos a cursos de pós-graduação
•Consultoria a organizações sociais
•Prêmios para reconhecer boas práticas em mobilização de recursos
•Troca de conhecimento através de seu website e de boletins informativos
•Oficinas online
•Publicações

O mais importante evento realizado pela Resource Alliance é o IFC (International Fundraising Congress), que acontece na Holanda em outubro, anualmente.

Em cada país onde se estabelece, essa missão toma contornos próprios. No Brasil, a Resource Alliance é representada e opera em parceria com o IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, desde 2010. Por aqui, temos tido muita demanda por serviços de consultoria, mas queremos atuar principalmente no desenvolvimento de novos conhecimentos sobre mobilização de recursos e filantropia brasileira.

Quais outros projetos foram realizados pela Resource Alliance?

Também tivemos uma parceria com o SENAC São Paulo, com quem desenvolvemos um curso de 120 hs em captação de recursos e comunicação e que foi desenvolvido em 9 cidades do estado de SP e com a ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos), com quem realizamos a 1ª. e 2ª. edições (em 2009 e 2010) do Festival Brasileiro de Captação de Recursos.

No Brasil, é possível identificar algum ramo de organização (como educação ou saúde) ou perfil (com esforços civis ou jurídicos) que possui certa preferência para receber doações por parte dos investidores ou todos possuem chances iguais?

Educação e Saúde são certamente as áreas que mais recebem recursos, o que não significa que uma organização que não atue nessas áreas não terá sucesso na captação de recursos. Seu sucesso em captação de recursos será maior quanto maior for sua capacidade de realizar um bom trabalho, para uma causa reconhecidamente importante. Além disso, a organização tem que ter a capacidade de comunicar eficazmente o que faz, como aplica seus recursos, compreendendo que cada público fala uma língua e adaptando seu discurso para cada audiência.

Fonte: Ecodesenvolvimento.org

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