domingo, 4 de junho de 2017

Novo Código Florestal: Cinco anos depois



Plantação de soja em Alto Paraíso de Goiás - Hermes de Paula / Agência O Globo/ 03-12-2016


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/ Atualizado

Implementação pelos estados é lenta e legislação é questionada no STF


RIO - Cinco anos depois da sanção do novo Código Florestal, a disputa entre ambientalistas e ruralistas ainda solta faíscas. Enquanto ativistas defendem que a legislação aprovada foi um retrocesso em relação à anterior — e têm respaldo em quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) que a questionam —, ruralistas tendem a defender a nova lei, apesar de uma série de críticas à sua implementação. Mas o novo código tem um trunfo: o Cadastro Ambiental Rural (CAR), um registro público, eletrônico e autodeclaratório de informações ambientais georreferenciadas de todos os imóveis rurais do país.


Aplicação da lei a passos lentos

Edna Mariano posa na margem de riacho que nasce em sua propriedade - Custódio Coimbra / Agência O Globo


Segundo avaliação do Observatório do Código Florestal sobre a implementação da nova lei entre 2012 e 2016, dos 14 principais pontos regulamentados pela legislação, apenas um, as inscrições do CAR, tem grau de implementação satisfatório.

Até o fim de abril deste ano, foram inscritos 4,1 milhões de imóveis privados, de comunidades tradicionais e de assentamentos da reforma agrária, ocupando aproximadamente 433,5 milhões de hectares. Após duas prorrogações do prazo de inscrição, o limite para que este procedimento seja feito é, hoje, 31 de dezembro de 2017 — mas alguns apostam em uma nova data em 2018.

Depois que o cadastro é feito pelos proprietários, os estados devem cumprir suas obrigações. Primeiro, com a análise das informações cadastradas, e então com a celebração de contratos para que os proprietários ajustem as irregularidades ambientais constatadas nos cadastros — através do chamado Programa de Regularização Ambiental (PRA). Para isso, porém, os estados precisam já ter regulamentado seu próprio programa.

Segundo um levantamento inédito feito pelo GLOBO com todos os estados do país, apenas nove deles começaram a fazer as análises dos cadastros. Treze têm o PRA regulamentado ao menos via normas gerais — mesmo que o prazo para a implantação destes programas fosse, em teoria, 2014. A celebração de termos de compromisso do PRA só começou a ser feita em quatro estados, alguns de forma incipiente: Acre, Bahia, Mato Grosso do Sul e Pará.

Nos últimos cinco anos, o governo federal, por meio do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) destinou R$ 28 milhões ao desenvolvimento de módulos e armazenamento de dados do Sicar (software desenvolvido para agregar as informações do CAR), em parceria com a Universidade Federal de Lavras (UFLA), em Minas Gerais. O órgão pretende disponibilizar um módulo de análise para 21 estados até o fim do ano. Em outra frente, um módulo genérico para o PRA — uma vez que cada estado terá regras próprias para seus programas — está em fase de testes.



ESTADOS COADJUVANTES

A agrônoma e consultora ambiental Gabriela Savian, que acompanha a implementação do CAR desde 2013, diz que há uma inércia entre os estados para avançar com a implementação deste mecanismo. Enquanto alguns esperam ações e ferramentas do governo federal, outros estão analisando os cadastros e executando o PRA em softwares próprios, integrados ao Sicar, como é o caso do Mato Grosso do Sul e Bahia.

— No caso do PRA, todos os prazos foram extrapolados, tanto para o governo federal quanto para os estados. Agora, o governo federal já fez o que tinha que fazer, e os estados estão extrapolando muito. Eles estão esperando o módulo do PRA para fazer a regulamentação, mas estão errados de esperar por isso. Falta um protagonismo — aponta Gabriela.

Na avaliação feita pelo Observatório do Código Florestal para os anos de 2012 a 2016, os autores do documento alertam para outro aspecto preocupante da lentidão: “O principal risco associado à eventual demora ou retardamento na análise do CAR (...) é que os benefícios ‘automáticos’ gerados apenas com a inscrição no CAR poderão criar uma sensação de anistia geral e de impunidade quanto às irregularidades ambientais cometidas e, também, de desoneração da obrigação de recomposição dos passivos florestais”.

Para Rodrigo Justus, consultor da Comissão do Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a demora na aplicação da lei causa apreensão também no setor agropecuário.

— Os produtores não viram o direito de regularização de suas propriedades se efetivar. A maior parte dos governos, por exemplo, não tem corpo técnico para fazer o trabalho de análise. Os técnicos já estão saturados com o licenciamento ambiental, e agora serão despejados milhões de cadastros em cima deles. Do jeito que está, o processo vai demorar 20 anos.

José de Castilho fez o CAR e tem situação regularizada - Custódio Coimbra / Agência O Globo


A família de José de Castilho, de 65 anos, cadastrou suas propriedades, no município fluminense de Rio Claro, em 2016. Apesar da análise dos mais de 40 mil imóveis já cadastrados no estado só ter começado em maio, ele está tranquilo: a família manteve a vegetação nativa às margens dos rios que cortam as propriedades desde que adquiriu as terras, há mais de 50 anos. Nelas, eles produzem verduras, legumes e frutas, além de leite e queijo.

Ele e a irmã, Edna Mariano de Castilho, fizeram os cadastros com auxílio de técnicos do governo estadual. O cadastro é gratuito, mas por envolver procedimentos técnicos como o mapeamento em imagens de satélite, alguns proprietários optam por contratar uma consultoria. No caso dos pequenos proprietários, os estados são obrigados a fornecer assistência técnica. Entre os estímulos para que esta inscrição seja feita, está a exigência do cadastro, a partir de 2018, para a concessão de crédito a produtores rurais por bancos.

Em relação à Reserva Legal, José e Edna sabem que precisam manter de pé quatro hectares de mata, o equivalente a 20% da área de sua fazenda. Proteger a nascente que brota nela, cujo entorno é preservado como Área de Proteção Permanente (APP) é, para o agricultor, garantir a continuidade de um precioso recurso:

— A água é o que se prioriza em uma propriedade. Sempre usamos a água desse riacho para nossa produção e consumo — diz José, que conta com orgulho ter sido “nascido e criado na roça”.


MUDANÇAS POLÊMICAS

O CAR se baseia na definição de “áreas consolidadas” — aquelas ocupadas com edificações e plantio, por exemplo, antes de 2008. Mesmo que estas áreas não estivessem cumprindo a legislação ambiental vigente naquele ano, elas podem começar a se regularizar ao fazer o cadastro, segundo determinou o novo código. E é isso que muitos ambientalistas chamam de “anistia”: o perdão a irregularidades cometidas antes da instituição da nova lei.

No caso das APPs nas margens de nascentes, rios e outros cursos d’água, há um regime especial para quem desmatou até 2008 — por “especial”, leia-se exigência de faixas preservadas menores. Já no que diz respeito às Reservas Legais (RL) — uma parcela de 20% a 80% da vegetação nativa das propriedades que deve ser conservada —, o novo código isentou sua recomposição em imóveis consolidados e pequenos, de até quatro módulos fiscais.

Para aquelas que precisarão regularizar suas RL, uma opção será a compra das Cotas de Reserva Ambiental (CRA), um título representativo de cobertura vegetal que poderá ser comercializado em uma espécie de mercado de ações. O mecanismo foi criado pelo novo código e o governo federal estuda atualmente um modelo — algo que os ambientalistas esperam com ansiedade, uma vez que a proteção da vegetação excedente poderá ser aumentada, tornando inclusive o Brasil mais próximo de suas metas de cobertura florestal no Acordo de Paris.


Registro esbarra em conflito de terras


O cacique Tatáendy-Yapuá, da tribo Sapukai, está sempre alerta a eventuais conflitos de propriedade que possam chegar à Terra Indígena Guarani de Bracuí, em Angra dos Reis, onde vive e de onde tira o sustento para seu povo - Custódio Coimbra / Agência O Globo


A cerca de 6 km da BR-101, em meio às montanhas cobertas pela Mata Atlântica e no perímetro do município de Angra dos Reis, vivem cerca de 400 índios da tribo Sapukai. Eles moram em terras regularizadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), com superfície de mais de 2,1 mil hectares. Mas, no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), consta que a Terra Indígena Guarani de Bracuí, onde vivem, é cortada pelo perímetro de três imóveis rurais, ocupando, no total, 290 hectares.

Um filtro automático do Sicar, que identifica sobreposições de imóveis com Unidades de Conservação (UCs), Terras Indígenas (TIs) e áreas embargadas pelo Ibama, que não admitem áreas particulares em seus limites, identificou no estado do Rio, nos municípios de Angra e Paraty, seis propriedades ou posses com interseção com TIs. No Brasil, o filtro automático constatou 5.450 imóveis sobrepostos com terras indígenas, e 1.342 imóveis com interseções em UCs, como parques nacionais e estações ecológicas.

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um registro eletrônico destinado a todos os imóveis rurais do país, onde serão inseridas, até o fim deste ano, informações ambientais georreferenciadas destas propriedades ou posses. A ferramenta, criada pelo Código Florestal há cinco anos, é autodeclaratória.




O CAR não tem função fundiária, mas o histórico problema do conflito de terras no Brasil já bate à sua porta, como podem sugerir essas sobreposições. Outra hipótese é o equívoco na hora de cadastrar o imóvel, já que a ferramenta exige alguns procedimentos técnicos. No mapa público dos imóveis cadastrados é possível ver, por exemplo, diversos triângulos perfeitos espalhados pelo Brasil — há um, no território fluminense, que foi cancelado após análise feita pelo governo estadual do cadastro, onde constava área de 53,9 mil hectares, maior do que o município de Nova Iguaçu.

Outro sintoma desta anomalia é o descompasso entre a previsão de imóveis passíveis de cadastros — com base no Censo Agropecuário de 2006 — e o volume de registros já feitos. Apesar de haver diferenças metodológicas e temporais para estes números, alguns especialistas avaliam que eles também são influenciados pelas sobreposições. O Brasil já superou a área considerada passível de cadastro; o Acre tem área cadastrada três vezes maior do que o previsto pelos dados de 2006 — e superior à metade da própria área do estado.

CAR em formato de triângulo cobre diversos bairros da cidade do Rio de Janeiro; inscrições a serem analisadas podem conter equívocos - Reprodução

As sobreposições implicam também em um problema prático: podem resultar em uma demanda gigantesca para os governos estaduais, responsáveis pela análise e validação dos cadastros.

Tatáendy-Yapuá, ou Domingos Venite, cacique da aldeia Sapukai, conta que a terra indígena em Angra não tem sido alvo de conflitos fundiários em sua história — mas, admite, esta é uma preocupação constante para os índios no Brasil. Em Bracuí, mais de 400 deles usam a terra para pequenas plantações e, mata adentro, para a caça a a extração de matéria-prima para artesanato — hoje a maior fonte de renda da aldeia.

— Tiramos daqui o material para a nossa sobrevivência, como taquara, cipó e palmito. Não vivemos ameças, mas sempre temos que ficar prevenidos. Acontece cada coisa com os índios no Norte, no Mato Grosso... — conta Tatáendy-Yapuá, de 65 anos.

Os Sapukai vivem em terra registrada pela FunaiFoto: Custódio Coimbra / Agência O Globo


As regiões brasileiras citadas pelo cacique são, também, aquelas em que as sobreposições do CAR têm denunciado os conflitos fundiários de forma mais contundente. Em área, segundo a análise automática no Sicar, é o estado do Amazonas que tem maior sobreposição com terras indígenas, seguido do Mato Grosso. O estado do Norte lidera também na sobreposição com Unidades de Conservação.

O uso do CAR em conflitos fundiários já foi até alvo de operações policiais. Em 2016, a Operação Rios Voadores desmantelou uma quadrilha no Pará que invadia florestas em terras públicas, provocava queimadas para a criação de pastos e posteriormente registrava os terrenos no CAR em nome de laranjas. Em 2015, no mesmo estado, a Operação Madeira Limpa constatou que um grupo que explorava madeira ilegalmente também recorria ao CAR.

Segundo Eliane Moreira, promotora do Ministério Público do Pará (MP-PA), os documentos exigidos pelas normas que regulamentam o CAR não garantem registros públicos válidos. É requisito para a inscrição no CAR a comprovação de propriedade ou posse mas, para Eliane, a indefinição de quais documentos devem ser exigidos abre precedentes para a apresentação de “títulos podres”.

— Diante do caos fundiário no Pará, tememos que o CAR se insira como mais um vetor de conflitos. Ele é um bom instrumento, mas existe um limite claro: viver só de CAR não vai garantir nem a preservação ambiental, nem a paz no campo — aponta a promotora, citando um levantamento prévio do MP que constatou 380 cadastros em 51 territórios quilombolas no estado.


Foto mostra área na Florestal Nacional de Acari cadastrada no Sicar, mas sem sinal aparente de ocupação humana - Daniel Beltrá / Greenpeace.

Eliane aponta também o temor de que os governos passem a admitir o cadastro em procedimentos com finalidade fundiária. Um decreto estadual do Pará de 2013, por exemplo, prevê o uso do CAR como “instrumento de apoio ao processo de regularização fundiária” no âmbito da emissão do Certificado de Ocupação de Terra Pública (COTP) em municípios verdes.

Em um sobrevoo feito pelo Greenpeace no fim de 2016 em Unidades de Conservação no Sul do Amazonas, cujas áreas podem ser reduzidas por uma mobilização de parlamentares do estado, foram identificados terrenos que tinham cadastros no Sicar, mas nenhum sinal aparente de ocupação ou atividade produtiva.

— Existem tentativas de usar o CAR para promover a grilagem. Na Floresta Nacional do Jamanxim, a área aprovada para redução recente via Medida Provisória (MP) tem vários cadastros — aponta Cristiane Mazzetti, da campanha Amazônia do Greenpeace, fazendo referência a duas MPs que reduzem a área de UCs no Pará e Santa Catarina e que aguardam assinatura presidencial.

Raimundo Deusdará, diretor do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), afirma que o órgão está trabalhando para qualificar a detecção de sobreposições:

— Temos planos de integrar dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e de quilombolas para detectar mais sobreposições. Uma das belezas do CAR é que, se desde as capitanias hereditárias as sobreposições existem, hoje podemos vê-las — comemora.

Área de floresta degradada no Pará por esquema de desmatamento ilegal e grilagem de terras alvo da Operação Rios Voadores - Divulgação / Ibama


Para povos indígenas, comunidades tradicionais e assentamentos tradicionais, a responsabilidade de inscrição no CAR é compartilhada com os órgãos públicos que apoiam a gestão destes territórios. Segundo a Funai, todas as terras indígenas que já foram delimitadas estão inseridas no sistema — como é o caso de Guarani de Bracuí, que já é registrada.

A experiência dos quilombolas com o CAR está sendo acompanhada de perto por Milene Maia Oberlaender, assessora do Instituto Socioambiental (ISA). E esta trajetória não tem sido fácil: começou, segundo Milene, com a ausência das particularidades das comunidades tradicionais no desenho na nova lei; depois, significou uma indefinição de como estes povos deveriam fazer o CAR — no software para imóveis rurais comuns ou em um módulo específico, e em registros individuais ou coletivos.

— O CAR quer enquadrar todo mundo na lógica da propriedade privada, mas os territórios das comunidades tradicionais têm uma lógica diferente. A Reserva Legal, para estes povos por exemplo, não é necessariamente estática. Como será, por exemplo, para os quilombolas no Tocantins, que fazem uma agricultura que drena áreas úmidas de APPs? A nova lei prevê atividades de baixo impacto, mas não há nada especificado — aponta Milene.

Somente neste ano foi lançado um módulo do CAR especialmente voltado às comunidades tradicionais — já durante período prorrogado para as inscrições e com um novo prazo para 31 de dezembro de 2017. Agora, representantes destes povos tentam ampliar este prazo.

— Não houve orientação de como as comunidades tradicionais deveriam se inscrever no CAR. Muitos fizeram no módulo comum, em registros individuais, quando estes territórios são coletivos. Até o momento, não sabemos se estas informações migrarão para o módulo destinado às comunidades tradicionais — denuncia a assessora do ISA.


Anistia desprotegeu quase dez estados do Rio


Mata Atlântica: o bioma que mais perdeu vegetação protegida proporcionalmente - Custódio Coimbra / O Globo

Os artigos do novo Código Florestal que flexibilizaram a legislação ambiental anterior a sua aprovação, em 2012, e até mesmo o perdão a irregularidades cometidas no passado ganharam dos ambientalistas, no seu conjunto, o título de anistia. Agora, além de nome, estas mudanças foram quantificadas: deixaram de proteger 41 milhões de hectares de vegetação nativa no país — área quase dez vezes maior do que o estado do Rio. Os dados foram revelados na semana passada pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) em um estudo inédito.

O maior responsável por tamanho perdão foi o artigo 67, que dispensa a restauração de Reserva Legal (RL) em imóveis com área menor do que quatro módulos fiscais cujos proprietários tenham cometido irregularidades antes de 22 julho de 2008 — data em que foi regulamentada a Lei de Crimes Ambientais, gatilho para a criação de um novo código. O artigo retirou a proteção de 20 milhões de hectares de vegetação, uma área semelhante à do estado do Paraná. Em conjunto, os artigos que perdoaram ou flexibilizaram o cumprimento da legislação anterior referente à Reserva Legal foram responsáveis pela desproteção de 37 milhões de hectares.

Em relação às Áreas de Preservação Permanente (APP), o estudo considerou o artigo 61-A, conhecido como a regra da escadinha. Ela prevê que proprietários ou posseiros que não cumpriram a legislação anterior para APPs hídricas até 2008 — por exemplo, nas margens de rios e lagos — terão que recuperar a vegetação em faixas menores do que o exigido até mesmo pelo novo código. Assim, o perdão relacionado às APPs foi responsável pela desproteção de 4,5 milhões de hectares — que, somados aos 37 milhões de hectares de Reserva Legal reduzidos, resultam nos 41 milhões de hectares anistiados com o novo código.

Estudos semelhantes já haviam sido feitos no passado mas, com o avanço do Cadastro Ambiental Rural (CAR) — o número de imóveis passíveis de cadastro registrados no sistema já foi superado, segundo o Serviço Florestal —, estes dados estão se tornando mais precisos. Isto porque os pesquisadores da Imaflora já vêm fazendo modelagens, em um trabalho de médio a longo prazo — e que vai continuar —, com base nas atualizações da malha fundiária e do CAR.

— A discussão de olhar para o passado é importante. Agora, sabemos que o Código Florestal consolidou 40 milhões de hectares e nosso país decidiu que essa área terá uso agropecuário. Hoje, estamos vivendo novamente uma disputa que visa desproteger as florestas para uso agropecuário — critica Luís Fernando Guedes Pinto, um dos autores do estudo do Imaflora, fazendo referência a duas Medidas Provisórias (MPs) que, com assinatura do presidente Michel Temer, poderão reduzir a área de Unidades de Conservação (UCs) no Pará e em Santa Catarina. — Na Mata Atlântica, a anistia dispensou 2,7 milhões de hectares de APPs hídricas, onde há a maior demanda por abastecimento de água para as cidades e para as indústrias.




BIOMA EM RISCO

Na classificação por biomas, a Mata Atlântica foi aquela que, proporcionalmente, mais perdeu a proteção em APPs (2,7 milhões de hectares) e RLs (7,4 milhões de hectares). Isto pode ser explicado, segundo os pesquisadores, pelo alto grau de ocupação humana no bioma e pela existência de um grande número de pequenas propriedades — beneficiadas pelo artigo que dispensou a restauração de Reserva Legal.

Por outro lado, o estudo estimou também o quanto ainda precisará ser recuperado para o cumprimento do novo código, e o número é expressivo: 19 milhões de hectares, sendo 11 milhões de RL e oito milhões de APPs.

Guedes Pinto destaca que este valor é maior do que o compromisso do Brasil para recomposição florestal no Acordo de Paris. Segundo as Pretendidas Contribuições Nacionalmente Determinadas (iNDC, na sigla em inglês) do país, até 2030 terão que ser recompostos 12 milhões de hectares de florestas — objetivo que o pesquisador considera tímido.

— O desafio brasileiro é maior do que a própria iNDC, apenas no cumprimento do código.

O estudo do Imaflora se debruçou também sobre a divisão dos déficits, de acordo com o tamanho das propriedades. Enquanto as grandes propriedades correspondem a 6% daquelas com irregularidades, segundo o novo Código Florestal, elas ocupam 59% da área com estas pendências. Os imóveis considerados pequenos são 82% do número daqueles em desacordo com a lei, o que corresponde, porém, a cerca de 6% da área nesta situação.

Por outro lado, para além de anistias e irregularidades, os pesquisadores estimam que a área de vegetação nativa desprotegida (ou excedente aos requisitos de APP e RL) é cinco vezes maior do que o déficit, ocupando 103 milhões de hectares. O valor é aproximadamente igual às áreas do Amapá e Mato Grosso somadas.

Estas áreas poderão servir para a compensação de Reservas Legais em déficit, através das Cotas de Reserva Ambiental (CRA) comercializadas entre propriedades. Um modelo para o CRA está sendo estudado atualmente pelo governo federal. Ao mesmo tempo, caso não haja mecanismos de estímulo para a proteção destas florestas, elas poderão simplesmente ser desmatadas.

— Quando a lei foi feita, as decisões foram tomadas sem se ter a mínima ideia do que aquilo significaria para a vegetação brasileira. Hoje, cinco anos depois, temos uma fotografia um pouco melhor do que aqueles artigos e anistias abriram mão — critica Guedes Pinto.

Sarney Filho: Novo código foi ‘retrocesso’


Testemunha ocular: para Sarney Filho, desmatamentos recentes são consequência dos perdões dados na implantação dessa lei - André Coelho / Agência O Globo/ 10-08-2016

Deputado federal durante a tramitação no Congresso do novo Código Florestal, sancionado em 2012, o agora titular do Meio Ambiente Sarney Filho lembra daquele período como um tempo difícil. Do time dos ambientalistas, ele viu seu grupo em grande desvantagem diante do lobby agropecuário. E num paralelo com o futebol, se a estratégia inicial da partida era virar o jogo, no final o objetivo era evitar uma goleada.

Cinco anos depois da criação novo código, Sarney Filho avalia que a nova legislação foi um “retrocesso”, mas tem no Cadastro Ambiental Rural (CAR) um dos seus poucos trunfos. Sobre esta medida, o titular da pasta pede avanços: agora, é hora de os estados fazerem sua parte no que diz respeito à analise destas inscrições e à regularização das propriedades cujas irregularidades até 2008 poderão ser anistiadas — como determinam as partes mais polêmicas do código. Em entrevista exclusiva, Sarney Filho também anuncia: o modelo para as Cotas de Reserva Ambiental (CRA), uma espécie de “crédito” de matas preservadas prevista na nova lei, está perto de ser proposto pelo governo federal.

Quais são suas lembranças da tramitação da lei no Congresso?

Tenho a convicção de que foram as decisões judiciais da época, fazendo com que o então Código Florestal fosse cumprido, que geraram a necessidade por parte dos ruralistas de fazerem a anistia das multas que estavam levando. Então nós, ambientalistas, que éramos poucos, tínhamos a certeza de que aquilo era um pretexto para dar anistia àqueles que tinham desmatado ilegalmente.

Como era o clima em Brasília?

Foi uma discussão tensa que não buscou consensos, mas ganhos para o setor rural. A correlação de forças era muito desigual, não chegávamos nem a dez deputados ligados à causa do meio ambiente. Usamos de tudo que regimentalmente foi possível para que não tivéssemos perdas mais profundas. Primeiro, a gente não queria que fosse aprovado; depois, a gente foi atrás de uma redução de danos. Conseguimos alguns avanços importantes, como o CAR, que significa uma melhoria no planejamento e monitoramento das nossas áreas de alto interesse para a biodiversidade. A tecnologia dá a possibilidade de um monitoramento muito preciso do que aconteceu na propriedade rural nos últimos anos.

Há algum fato marcante em particular deste processo?

Eu não poderia deixar de falar sobre a morte do Zé Cláudio e da Maria do Espírito Santo [o casal de extrativistas foi assassinado em maio de 2011 em uma emboscada no Pará]. Eles morreram no dia da votação do código na Câmara. Essas mortes contribuíram para tensionar ainda mais o ambiente no Congresso.

O senhor avalia o código aprovado como um retrocesso?

No sentido geral, sim. Mas não cabe mais, agora, voltar estas questões. O dano que esse código tinha que fazer, já fez: a sinalização de se podia desmatar e de que a lei não atingia aqueles que cometiam irregularidades ambientais. Esse foi o grande retrocesso, o da anistia. Ela se juntou à cultura de que tudo na área ambiental não precisa ser cumprido. Houve também retrocesso na proteção de nascentes, rios e Áreas de Preservação Permanente (APP).

Algumas pessoas relacionam o desmatamento recente no Brasil à aprovação do novo Código [Na Amazônia, por exemplo, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) constatou aumento no desmatamento em 29% entre 2015 e 2016]. O senhor acha que existe essa relação?

Acredito mesmo que o desmatamento nos últimos dois anos se deveu não somente à falta de comando e controle, mas também a essa sinalização do Código Florestal. Não tenho dúvidas disso. O maior impacto foi cultural.

Ainda é importante o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que questionam vários artigos do Código Florestal?

Eu gostaria muito que a questão da proteção das nascentes, inclusive as intermitentes, e as faixas marginais, fosse revista. Do restante, acho que o que foi feito de ruim já foi feito.

O prazo para as inscrições no CAR será prorrogado novamente?

A prorrogação não tem mais sentido. Mais de 96% das propriedades já estão cadastradas. O CAR já está completo, agora os estados têm que cuidar do Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Como será o modelo das Cotas de Reserva Ambiental (CRA) proposto pelo governo federal?

Está bem avançado, estamos finalizando. Estamos andando com foco e rapidez. Não posso adiantar ainda como será o modelo.

A divulgação dos dados das propriedades com Cadastro Ambiental Rural (CAR) me parece ter sido um dos momentos mais tensos do seu mandato, com a grita de ruralistas [No fim de 2016, a Confederação da Agricultura e Pecuária protocolou uma representação contra o ministro pela divulgação pública de dados do CAR, como o perímetro das propriedades]. O senhor acha que a transparência do sistema ainda pode avançar?

Sou inteiramente favorável que se publiquem todos os dados que não sejam proibidos. Não fizemos nada que não estivesse na lei. A transparência e participação são dois pilares fundamentais na gestão ambiental.


Contexto: Uma tramitação tensa do começo ao fim


As reuniões da comissão especial da Câmara dedicada a analisar o texto inicial do novo Código Florestal foram marcadas por polêmicas. Na foto, um segurança pega pelo braço uma ambientelista do Greenpeace que protestava contra deputados ruralistasFoto: André Coelho/06.07.2010.


A assinatura de um decreto pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em julho de 2008, regulamentando a Lei de Crimes Ambientais, foi o ponto de partida para uma longa e tortuosa estrada na tramitação de um novo Código Florestal. Poucos meses depois, em dezembro, uma queda de braço com ruralistas já levou o governo a ceder no prazo para o cumprimento das regras, suspendendo sanções por ocupação irregular de reserva legal e devastação de mata nativa até dezembro de 2009.

Este prazo foi prorrogado posteriormente para junho de 2011, e deu margem a uma movimentação por alterações no Código Florestal vigente, de 1965. Já em 2008, esta articulação mostrava sinais de que a mudança poderia incluir a anistia às irregularidades cometidas antes do decreto daquele ano. Ambientalistas passaram a defender a legislação vigente.

Em 2009, as negociações para as mudanças no código já mostravam sinais de desgaste no governo — sobretudo entre os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura —, e na relação deste com aliados. O Partido dos Trabalhadores (PT) também não passou ileso, e em junho, o Diretório Nacional se manifestou contra as mudanças: “O PT, pela sua direção, manifesta sua posição contrária às propostas de alterações do Código Florestal, especialmente as referentes às Áreas de Proteção Ambiental e as Áreas de Reservas Legais das propriedades, bem como a tentativa de se delegar aos entes federados competências para delimitá-las”. Desgastes foram uma constante na tramitação do código.

No segundo semestre de 2009, foi criada uma comissão especial na Câmara para discutir outras mudanças no Código Florestal. Na pré-campanha eleitoral de 2010, a senadora Marina Silva desafiou seus adversários a se posicionarem sobre as mudanças no Código Florestal, em debate em comissão especial na Câmara dos Deputados.

Ao longo da campanha, Marina trouxe à tona a discussão do Código Florestal; o tema, no entanto, passou longe das campanhas de Dilma e Serra no primeiro turno. Mas no segundo turno, visando o eleitorado de Marina, os candidatos passaram a abordar temas ambientais. E Dilma prometeu que vetaria uma eventual anistia a desmatadores.

No início de 2011, nos primeiros dias de mandato da então presidente Dilma Rousseff, o projeto do novo Código Florestal já era apontado como uma das votações mais desafiadoras para o governo. O ano começava com deslizamentos na Região Serrana do Rio, deixando mais de 900 mortos e milhares de desabrigados. Em meio às discussões sobre mudanças no Código Florestal, a tragédia foi atribuída à ocupação irregular das margens de rios. Em maio, a Câmara aprovou, após sucessivos adiamentos e manifestações no Congresso, o projeto do novo Código Florestal. Em seguida, emendas já passaram a ser discutidas e aprovadas — entre elas uma do PMDB, que anistiava o desmatamento até 2008.

A movimentação do PMDB gerou uma crise entre o governo e o partido aliado e, principalmente, entre Dilma e seu então vice, Michel Temer.

— É evidente que nós não ficamos satisfeitos com a votação final do Código, uma vez que gostaríamos que o acordo anterior pudesse prevalecer, mas não jogamos a toalha — declarou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho.

Em dezembro, foi a vez do Senado aprovar o texto do novo Código Florestal com suas próprias modificações — incluindo a anistia a quem desmatou até 2008, mas com contrapartidas como a recuperação mínima de mata nativa. O texto original da Câmara foi bastante alterado e voltaria aos deputados para votação final.

No ano seguinte, em 2012, o texto foi aprovado na Câmara, com alterações em relação ao projeto enviado pelo Senado — e que tinha apoio do governo. Nos bastidores, Dilma sinalizou veto a vários artigos. Segundo ministros, a presidente já tinha ditoque preferia a derrota a ceder aos ruralistas.

A menos de um mês da abertura da Rio +20, Dilma sancionou o Código Florestal, com 12 vetos, e editou uma Medida Provisória (MP) com outras 32 mudanças. Era 25 de maio. A anistia de acordo com o texto da Câmara foi vetada, sendo a regularização dos desmatamentos condicionadas a alguns requisitos mínimos. Foi, portanto, um veto parcial ao texto do Congresso — diferente do que pediam ambientalistas: o veto integral.


Ações questionam nova lei no STF


Plenário do STF; ADIs de 2013 relacionadas ao Código Florestal ainda esperam julgamento - Jorge William / Agência O Globo/ 20-04-2017


Nada menos do que 58 dos 84 artigos das leis que constituem o novo Código Florestal têm sua validade questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) através das chamadas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs). As três mais importantes delas, de autoria de Sandra Cureau, Procuradora-Geral da República em exercício em 2013, não entraram na pauta de julgamento até hoje. Tanto entre aqueles que defendem quanto os que contestam a legislação de 2012, há pelo menos um argumento comum: a demora no julgamento é prejudicial e leva à insegurança jurídica.

Cureau, que atua há décadas na área de meio ambiente no Ministério Público Federal (MPF) e é uma das candidatas a substituir Rodrigo Janot no próximo mandato, sustenta a inconstitucionalidade de parte do código sobretudo com base no artigo 225 da Constituição Federal, que assegura o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

Em linhas gerais, a três ADIs questionam a legislação no que diz respeito às Áreas de Preservação Permanente (APP), às Reservas Legais (RL) e à possibilidade de que aqueles que desmataram até 2008 regularizem a situação de suas propriedades. Nas ações, a PGR pede que a eficácia dos dispositivos questionados seja suspensa até o julgamento do mérito.

— Sem dúvida nenhuma este código diminuiu a proteção ambiental em relação à legislação anterior. A Constituição não reconhece a possibilidade de uma proteção menor do que havia anteriormente — defende Cureau.

Entre os dispositivos contestados nas ações, estão as possibilidades de ocupação de áreas onde ocorreu desmatamento irregular antes de 2008; de uso de plantas exóticas para recomposição da Reserva Legal; e de compensação da RL em áreas de um mesmo bioma — sem considerar, segundo Cureau, que um mesmo bioma tem diferentes ecossistemas e, portanto, a compensação não necessariamente será equivalente.

Em audiência pública sobre o novo código, em abril de 2016, Luis Fux, relator das ADIs, afirmou que pretendia levar as ações para julgamento ainda naquele semestre. No meio do caminho dos ministros da corte, porém, estavam a Lava-Jato e a crise nos estados e, hoje, é incerto quando as ADIs serão pautadas.


LENTIDÃO É RUIM PARA TODOS

Secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul, Jaime Verruck relata que, em seu estado, alguns produtores estão adiando a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) — instrumento previsto no código e que deve ser preenchido por proprietários rurais até 31 de dezembro de 2017 — pela incerteza na Justiça.

— Muitos produtores estão preocupados com a ideia de quem faz primeiro [o cumprimento das regras] é penalizado. A discussão no Supremo pode praticamente invalidar o código.

Consultor da Comissão do Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justus também demonstra preocupação com as ADIs. A CNA é, inclusive, amicus curiae nas ações. Justus prevê um impacto “muito maior do que a Operação Carne Fraca” para o setor agropecuário caso boa parte do novo código seja declarada inconstitucional. Isto porque uma série de propriedades teria ocupação considerada irregular pela legislação anterior — mesmo que, hoje, novas técnicas garantam exploração sustentável nestes locais, garante Justus.

— Alguns juízes de primeira instância acreditam que o código será declarado inconstitucional no Supremo, e estão determinando o cumprimento das leis antigas. Isto está abarrotando os tribunais — aponta o consultor da CNA.

Sandra Cureau, no entanto, garante que o Cadastro Ambiental Rural — “uma das poucas boas coisas” da nova legislação — não corre riscos diante das ADIs, uma vez que o artigo que criou o instrumento não está sendo questionado.

Mesmo assim, a subprocuradora-geral da República concorda que a demora para que o tema seja julgado é prejudicial.

— É muito ruim para todo mundo. A verdade é que o novo código está sub judice: no nosso entendimento, é o caso de não aplicá-lo.

Mauricio Guetta, advogado do Instituto Socioambiental, também amicus curiae no processo, considera a nova lei um "retrocesso" e, por isso, afirma que a indefinição no STF prolonga os danos ao meio ambiente.

— Qualquer impacto ao meio ambiente é de impossível ou muito difícil reparação. A nova lei desprotegeu uma área imensa. As ADIs são as ações judiciais mais importantes hoje, pelo impacto e pelos precedentes de jurisprudência, na área socioambiental. O que está em xeque é o próprio direito da sociedade brasileira a um meio ambiente equilibrado — argumenta o advogado.


PARTIDOS TAMBÉM RECORREM AO STF

Além das três ADIs de autoria de Sandra Cureau, há outra ação do tipo, ajuizada em 2013 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O partido argumenta que os dispositivos da lei questionados fragilizam a proteção ao meio ambiente. Por outro lado, o Partido Progressista (PP) ajuizou, em 2016, uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) em relação ao novo código.

“Apesar da constitucionalidade latente de todos os dispositivos mencionados, a Lei em comento vem sendo questionada pelo Ministério Público Federal, pelos Ministérios Públicos Estaduais, por entes políticos, bem como por alguns tribunais. Neste diapasão, busca se declarar a legalidade destes dispositivos que estão sendo questionados, de modo a sanar a discussão de forma definitiva”, diz a petição protocolada pelo PP.

As ações abertas pelo PSOL e pelo PP também têm como relator o ministro Luis Fux.


Sicar: Um software robusto e nacional


Mais de 140 pessoas se dedicam à gestão do Sicar da Universidade de Lavras, em Minas Gerais - Divulgação / UFLA


Qual é o tempo necessário para desenvolver um software que integre imagens de satélite, bancos de dados de órgãos públicos e uma interface com proprietários rurais de todo o país? No caso do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), desenvolvido pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB) em parceria com a Universidade de Lavras (UFLA), em Minas Gerais, este tempo foi o da lei.

Construído para atender a uma série de artigos do novo Código Florestal, muitos com prazos determinados, o Sicar tem módulos para inscrições do Cadastro Ambiental Rural; análise e validação destes registros pelos estados; consulta pública e comunicação com os usuários. Está na fase de testes um módulo genérico que dará corpo aos Programas de Regularização Ambiental (PRA) nos estados. Nos últimos cinco anos, o governo federal destinou R$ 28 milhões ao desenvolvimento e armazenamento de dados deste software. A parceria entre o governo federal e a universidade tem se dado através de Termos de Execução Descentralizada (TED), um instrumento que permite a transferência de orçamento entre órgãos da União.

O Sicar começou a ser modelado em 2013, e chegou ao público no ano seguinte. Hoje, há mais de 4,1 milhões de imóveis inscritos, ocupando uma área de 433,5 milhões de hectares. Uma equipe de 142 pessoas, entre técnicos, professores e estudantes, se dedica exclusivamente ao Sicar na universidade.

Segundo Samuel Campos, diretor de tecnologia da informação do Laboratório de Estudos e Projetos em Manejo Florestal (Lemaf) da UFLA, um dos momentos mais desafiadores neste processo foi encontrar imagens de satélite para todo o Brasil de 22 de julho de 2008. Foi nesta data que o então presidente Lula assinou um decreto que regulamentou a Lei de Crimes Ambientais, levando a uma movimentação no setor agropecuário que fomentou a criação de um novo Código Florestal. Este dia virou referência para diversos dispositivos da lei, sobretudo aqueles que flexibilizam ou perdoam irregularidades cometidas, sob a legislação anterior, até então.

— Este corte temporal demandou um volume de trabalho muito grande. Precisamos encontrar imagens de satélite boas daquela data em uma base de imagens gratuita da Nasa — lembra Campos. — Nos momentos mais trabalhosos do desenvolvimento deste sistema, chegamos a ter 170 pessoas trabalhando diretamente nele.

TIPO EXPORTAÇÃO

Raimundo Deusdará, diretor do Serviço Florestal, conta que o know how adquirido pelo Brasil no desenvolvimento do Sicar já está chamando a atenção de outros países.

— É surpreendente o que conseguimos: colocar a lei em linguagem de programação sofisticada. Isto é mais difícil quando não há inspirações, países que já tenham feito algo semelhante. Quando apresentamos o Sicar lá fora, as pessoas não entendem como fizemos tudo isso em tão pouco tempo. Já estamos chamando a atenção de outros países, na América Latina e na África por exemplo, e entendemos que em algum momento poderemos compartilhar este conhecimento no exterior — revela Deusdará. — O CAR é a materialização de que é possível o entendimento. Diria que ele é o cupido entre ruralistas e ambientalistas. Acho injusto dizer que o código não produziu resultados.

O software integra bancos de imagens anuais — alguns gratuitos e outros não — dos satélites Landsat, Rapideye e Sentinel-2. Além disso, para a detecção de sobreposições entre imóveis rurais e áreas que não admitem propriedades particulares, como áreas indígenas e unidades de conservação, há a integração de dados da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ibama. Os servidores que armazenam o sistema ficam em Brasília, alocados no Ministério do Meio Ambiente.

Samuel Campos acredita que o envolvimento da universidade do projeto também trará bons frutos. Além de integrar áreas de conhecimento como ciência da computação, engenharia florestal e tecnologia da informação, o desenvolvimento do Sicar contribuirá na consultoria dada a governos na gestão tecnológica, por exemplo, do licenciamento ambiental, além de fomentar programas de pós-graduação e extensão, como um mestrado em gestão territorial, já em desenvolvimento.

— Quando a gente trabalha na universidade e consegue transformar a pesquisa em algo palpável, é uma satisfação enorme. É um legado para a sociedade — comemora Campos.

Fonte: O Globo 








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