terça-feira, 24 de outubro de 2017

Pesquisadores revelam diversidade de plantas na Amazônia



Trabalho internacional listou 14.003 espécies de plantas, sendo 6.727 espécies de árvores. Estudo liderado por brasileiros foi publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences (fruto de Aguiaria excelsa / foto: Domingos Cardoso)


Peter Moon | Agência FAPESP – Qual é o número de plantas da maior e mais diversa floresta tropical úmida do planeta? Um estudo liderado por brasileiros acaba de chegar ao seguinte resultado: a diversidade de plantas da Amazônia compreende 14.003 espécies de plantas com sementes (angiospermas e gimnospermas). A maioria (52%) são arbustos, cipós, trepadeiras, epífitas e ervas rasteiras, mas as árvores majestosas estão representadas entre as 6.727 espécies catalogadas.

Esses números não são estimativas, mas resultado de contagem e verificação precisas, feitas por uma equipe internacional de taxonomistas. O trabalho foi idealizado e coordenado pelo botânico Domingos Cardoso, do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, e publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences.

O inventário de espécies abrange as regiões da Floresta Amazônica nas cotas entre o nível do mar e os 1.000 metros de altitude, nos seguintes países: Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, nas duas Guianas e no Suriname.

A constatação de que existem 6.727 espécies de árvores nativas da Amazônia representa uma redução fenomenal frente às estimativas recentes baseadas em extrapolação estatística, segundo as quais se julgava que a Amazônia contaria com até 16.200 espécies de árvores.

No entanto, no novo estudo os pesquisadores investigaram se 9.346 espécies em 55 famílias de plantas seriam realmente amazônicas, como listadas em estudo anterior, e detectaram nada menos do que 40% (3.794 espécies) como entradas indevidas.

O fato de o total de espécies de árvores revelado pela taxonomia ser menos da metade daquilo que se estimava anteriormente a partir de dados ecológicos não significa que o bioma das florestas tropicais úmidas da Amazônia é menos diverso do que se supunha.

“Ao contrário, as diferenças entre as estimativas anteriores e os números apresentados neste novo estudo apenas ressaltam a enorme lacuna no conhecimento taxonômico que ainda precisamos preencher. A Amazônia possui uma riqueza de plantas extraordinária e nossa contagem de 6.727 espécies arbóreas estabelece um número confiável que reflete o que conhecemos até agora sobre parte da biodiversidade na maior floresta tropical úmida do mundo”, disse Cardoso, cuja especialidade é a taxonomia e filogenia molecular de plantas, ou seja, a catalogação, classificação e entendimento da história evolutiva de espécies.

“Saber a quantidade precisa de espécies de árvores nativas da Amazônia é de grande importância para guiar a formulação de iniciativas de conservação. Sem essa base científica podemos estar colocando em risco nossa biodiversidade, patrimônio único e insubstituível, simplesmente por falta de um conhecimento realmente qualificado”, disse.

Os dois levantamentos anteriores, publicados por outro grupo multinacional, estimaram que, das mais de 40 mil espécies arbóreas das florestas tropicais do mundo, a Floresta Amazônica seria o lar de cerca de 16 mil espécies de árvores (segundo o estudo de 2013), número corroborado por uma tentativa recente de reunir um catálogo atualizado das espécies de árvores da Amazônia que listou 11.676 espécies (ver estudo de 2016).

A primeira estimativa foi estatística com base em dados ecológicos compilados de 1.170 inventários de plantas, enquanto o segundo levantamento foi baseado nas informações de mais de 200 museus, universidades, herbários e jardins botânicos, reunidas em duas grandes bases de dados, o Global Biodiversity Information Facility e o SpeciesLink (que tem apoio da FAPESP) porém sem o mesmo rigor científico de uma verificação taxonômica.

Cardoso é um taxonomista especializado no estudo da grande família das leguminosas (Fabaceae). Trata-se da terceira maior família de plantas terrestres em número de espécies (mais de 19 mil). Na nova lista, dentro do universo total de 14.003 espécies de plantas nativas da Amazônia, as leguminosas possuem a maior representação, com cerca de 1.380 espécies.

Mas o bioma que é foco principal de estudo de Cardoso não é a Amazônia, e sim o das florestas tropicais sazonalmente secas, que inclui a Caatinga. Foi também graças a esse conhecimento específico e sua formação taxonômica que ele começou a suspeitar que haveria alguma coisa errada no levantamento anterior da diversidade de árvores da Amazônia.

“Quando bati os olhos na listagem de espécies daquela compilação de 2016, rapidamente identifiquei cerca de 400 nomes de espécies que só ocorrem na Caatinga ou que eram completamente desatualizados ou duplicados”, disse.

A constatação de tamanha incorreção levou Cardoso e sua colega Tiina Särkinen, do Royal Botanic Gardens Edinburgh da Escócia, além de seu colega e antigo supervisor, o botânico Luciano Paganucci de Queiroz, da Universidade Estadual de Feira de Santana, a dar início a uma verificação completa da validade dos nomes daquela lista, um trabalho de fôlego que contou com a colaboração de 44 cientistas das oito nações amazônicas, bem como de pesquisadores dos Estados Unidos e da Europa.

A equipe descobriu que a inserção incorreta daquelas centenas de espécies da Caatinga e de nomes duplicados ou sinônimos na listagem amazônica era apenas a ponta do iceberg. “A revisão cuidadosa mostrou que 40% dos nomes citados como árvores amazônicas continham algum tipo de erro”, disse Queiroz.

As incorreções encontradas eram decorrentes de uma série de confusões. Como, por exemplo, a inclusão de referências múltiplas às mesmas plantas, como o angico, que entrou duas vezes na lista, uma com seu nome oficial (Anadenanthera colubrina) e a outra com um sinônimo que caiu em desuso há mais de 20 anos (Anadenanthera macrocarpa). “Duas espécies de árvores da família da goiaba (Myrtaceae) foram citadas erroneamente mais de 20 vezes”, disse Cardoso.

Fontes primárias

Outro tipo comum de incorreção verificado na listagem foi a inclusão de plantas nativas de outras regiões do Brasil e do mundo, ou mesmo de espécies cultivadas na Amazônia, porém de origem diversa.

“Há casos de plantas que só ocorrem no leste do Brasil, uma delas bastante conhecida de nós, como o pau-brasil (Paubrasilia echinata), e também de plantas de outros continentes como a Austrália (Acacia podalyriifolia) ou África (Vachellia nilotica). Há plantas cultivadas como ornamentais, como a norte-americana magnólia (Magnolia grandiflora), ou com usos medicinais como a asiática moringa (Moringa oleifera)”, disse Cardoso.

Na listagem de espécies de árvores verificou-se a inclusão de referências que nem árvores eram, “como o carrapicho (Desmodium barbatum), uma plantinha de poucos centímetros de altura”, disse.

De acordo com Cardoso, os erros podem ter ocorrido por conta das fontes de dados utilizadas. “As coleções biológicas, em museus e herbários, são testemunhos materiais de tudo o que se conhece sobre a biodiversidade, porém a compilação destes dados a partir de bancos de dados on-line, como GBIF e SpeciesLink, não deve ser feita sem uma verificação criteriosa sobre a validade dos nomes”, disse.

Um diferencial deste novo estudo foi o uso de informações taxonômicas atualizadas, verificadas por centenas de especialistas do mundo todo durante a produção de catálogos de espécies de plantas nacionais, como o Flora do Brasil 2020.

“Essa plataforma digital representa o acúmulo de centenas de anos de trabalhos de campo na Amazônia, o esforço de centenas de taxonomistas. Catálogos como esse, taxonomicamente validados, fornecem bases sólidas para o entendimento sobre a evolução e a ecologia dessa floresta monumental frente às mudanças climáticas e outras mudanças ambientais”, afirmam Cardoso e Särkinen.

A Biologia é uma ciência classificatória, e desde o tempo de Carolus Linnaeus (1707-1778), o formulador do sistema de classificação taxonômica, nomes têm sido dados às espécies da natureza. Esse trajeto foi marcado pela criação de uma profusão de sinônimos para espécies anteriormente descritas, pois só é válida a primeira descrição feita.

Entre os 11.676 nomes de espécies listados a partir da compilação de coleções de herbário há muito material desatualizado, daí a vasta sinonímia.

“Apesar de nosso artigo não ter sido escrito como uma crítica às listas publicadas anteriormente, ele não deixa de contrapô-las e nessa confrontação apontar erros. Fundamentalmente, a falta de expertise taxonômica levou ao pressuposto ingênuo de que a informação dos repositórios de dados pode ser consumida em seu estado primário, levando a uma superestimação da diversidade”, disse.

A grande colaboração internacional que reuniu taxonomistas da América do Sul, Estados Unidos e Europa foi resultado do apoio de diversas agências de fomento, entre elas indiretamente a FAPESP, por meio do projeto "Nordeste: uma nova ciência para um importante, porém negligenciado bioma", do qual Cardoso e Queiroz participaram.

“Nossa experiência prévia na flora da Caatinga permitiu verificar os erros naquelas listagens”, disse Cardoso. Ele e Queiroz creditam a experiência, em parte, à colaboração de ambos com o Projeto Nordeste.

Para os pesquisadores, é importante destacar que a nova lista de 6.727 espécies de árvores amazônicas reflete bem o conhecimento atual, mas que ainda há uma enorme necessidade de inventários a serem feitos na Amazônia.

“Existem vazios gigantescos de coletas. Algumas áreas onde nunca se coletou uma planta são maiores do que as áreas de alguns estados brasileiros. Certamente, há muitas espécies novas esperando para serem conhecidas pela ciência”, acrescentam.

O artigo Amazon plant diversity revealed by a taxonomically verified species list (doi: 10.1073/pnas.1706756114), de Domingos Cardoso, Tiina Särkinen, Luciano Paganucci de Queiroz e outros, pode ser lido em www.pnas.org/content/early/2017/09/12/1706756114.full.

Fonte: Agência FAPESP









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